domingo, 3 de maio de 2009

RELATÓRIO DE PRÁTICA proposta por Alana – dia 22/04/09










































































































RELATÓRIO DE PRÁTICA – dia 22/04/09

(Devido à impossibilidade de levar-se os materiais tecnológicos necessários num dia de muita chuva na cidade, este laboratório não contará com uma produção posterior de DVD, já que não pôde ser filmado.)

Sobre o formato

O laboratório proposto por mim, Alana falcão, consistiu num extenso compartilhamento teórico que precedeu a proposição de experiências preparatórias para a composição coreográfica.Apostei num aprofundamento do tema como estratégia problematizadora das questões no corpo para a cena.

Sobre o seminário

O tema “mulher e sertão” foram tratados da seguinte maneira:
· Justificativa: meus interesses autobiográficos em brasilidade (ou na construção desta) analisados a partir de minhas relações de parentesco. Neste caso específico, a figura de minha avó, sertaneja, rezadeira. É de interesse legítimo, observar como a cultura está sempre transformando estas relações, que desde sempre estão imersas naquela.
· A invenção do nordeste: passando por alguma breve fundamentação histórica, destaco os discursos (e seus interesses) que compõem a noção de sertão e sua justaposição ao termo nordeste, desde os primevos relatos médico-sanitaristas em seu caráter etnográfico não flagrado, e a substituição deste discurso higienista por um discurso sociológico implementado pelos intelectuais da elite nacional interessadíssimos na pintura de algo “genuinamente tupiniquim”,a fim de se legitimar como aristocracia local e afastar-se dos modelos colonizadores, europeus e norte americanos.
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* Vimos anteriormente que nas primeiras viagens pelo interior do nordeste, nas primeiras décadas pós instauração da república, nas descrições por serem relatos médicos, imperava uma semiologia médica pretensamente objetivista que referia-se ao sertão como espaço físico claro e delimitado, naturalizando o termo, desconsiderada portanto, sua gênese e a alta carga simbólica a ele associada.

Nação e Narração: a partir das premissas de Eric Hobsbawn e Homi Bhabba, discutimos o caráter performativo da construção de Nação. Para o último, há um desejo comum a todos de indicar e compreender configurações de localidade e temporalidade da nação. E esta é uma invenção, uma criação social tecida por narrativas. A narrativa portanto é a estratégia de construção de sentido para que tenhamos essa noção de compartilhamento de geografia e tradições (chamada por ele de geografia imaginada) e tais estratégias linguísticas compõem-se de imagens, panoramas e cenários, os quais procuram estabelecer uma experiência de pertencimento coletivo, realçando uma “origem comum”. No caso do Brasil, essas configurações desenharam uma categoria de espaço*, o sertão, como forma principal de falar, definir e delimitar a nação. O projeto de nação no Brasil tem como fundamento a territorialidade. Encantado com a imensidão territorial ou atormentado pela existência de gigantescos vazios, a imaginação social se volta para o sertão ora como problema a ser solucionado, ora como índice de brasilidade. Estabelecido como categoria central no processo de invenção do Brasil, o sertão se configura no “signo da nação incabada”.
· O sertão e suas representações: constituiu-se em rápida análise das representações sertanejas. Na literatura pode –se observar Jeca Tatu de Monteiro Lobato, “ Os sertões” de Euclides da Cunha, “Vidas Secas” de Graciliano Ramos e a obra de Guimarães Rosa, como um todo. No cinema há o icônico “Deus e o diabo na terra do sol” de Glauber Rocha numa produção mais polifônica, intertextual, há também “Abril despedaçado”, “O céu de Suely” de Karim Ainouiz, “Central do Brasil” de Walter Salles e “Baixio das Bestas” de Cláudio Assis. Na dança encontrei “Bull dancing – o urro do Omi boi” de Marcelo Evelin, além de “Baque” da cia. De danças de Diadema. Dessas representações emergem de forma geral imagens que o sertão evoca no imaginário coletivo; ele está relacionado a um “ nós” arcaico, primitivo, e por isso talvez, tido como nosso pedaço de origem (principalmente, por se achar intocado, em relação aos colonizadores); ensejando imagens de deserto, de vazio, com um tempo dissonante do tempo cotidiano da urbes. O sertão como o nosso elo primitivo, como objeto de desejo, fantasia de lugar e origem, ora como sítio distante,atrasado e incivilizado, terra desolada ou paraíso perdido.
Só a título de esclarecimentos, o espetáculo Bull Dancing – o urro do Omi boi, trata do auto do boi-bumbá, que tradicionalmente narra a história de Catirina,grávida de um filho que nunca nasce, deseja comer a língua do boi. Importante atentar para um detalhe descoberto depois: com quase dois séculos de existência, o auto do boi até pouquíssimo tempo atrás não contava com a presença de mulheres, até a própria Catirina era feita por homens “montados”, já que “mulher não podia virar boi”. Neste trabalho a emergem questões nunca abordadas quando o assunto é “de raiz”, como a sexualidade ou o desejo, por exemplo, nos faz ver que a cultura popular pode muito mais do que o que habitualmente se faz em seu nome. O bumba-meu-boi passa a ser tratado como uma metáfora da vida em sociedade. Humanos-bois, omi boi, boi/humanos-aos-pedaços - são várias as aproximações propostas, trata inclusive das posições sociais da mulher nesse universo.
Elenquei previamente dentro do campo imagético sertanejo algumas palavras para guiarem o laboratório, foram elas: gado morto, terra rachada,chão, ossos de bois, beatas, cangaço, messianismo, seca, lata d´água na cabeça, narração, calor.

Proposição cênica 1descrição de procedimentos

Dei muito crédito à maneira que os laboratórios anteriores estabeleceram suas conexões a partir de uma tal “seqüência prévia que cada pessoa, por ventura já possua” e desta, advirem as transformações. Este modus operandi, que de antemão considera o repertório pessoal me garantiria de partida, uma diversidade nos resultados. Solicitei dos meus colegas que, deste material de movimentos dos quais eles dispusessem, retirassem um ou dois oitos para serem trabalhados. Definidas as seqüências particulares, eu pedi que à sua maneira, cada um tentasse nordestinizar o material de que dispunha e se pudessem me descrevessem a estratégia de “nordestinização” da seqüência ao apresentarem-na. O meu interesse era observar como o imaginário de sertão se manifestava para as pessoas nos seus atos cênicos, se estaria presente na dilatação do tempo, ou numa instauração do calor pela expressão facial, ou pelo tolhimento da mobilidade, enfim, eu tinha mais ou menos essas expectativas.
Coisas superinteressantes surgiram; para não me alongar com descrições inócuas particulares destaco alguns pontos chave: o fator agrário esteve presente, em algumas composições, como no caso de Evie, que transformou uma passagem de braços em uma menção ao plantio de algo, e ao uso de terço; para Mayana , por exemplo, a seqüência inicial foi um trecho de Skerzzio de Isadora Duncan composto por saltos e pulos com cabeça e olhares bem definidos e na passagem para a versão exigida, todos os pulos foram retirados e deles só restou a menção dos braços e cabeça, transformada num “estender roupas” ou seja, sua composição de nordeste denotava algo fraco, frágil, pouco, movimentos contido ao extremo e alinhamento postural curvo, linha de olhar baixo sempre, tudo muito “dona-de-casa” e também muito solene, assim como a versão de Maria Paula. Já Joline, Loraine e Joélia reconstruíram suas seqüências em cima do dado festividade, aproveitaram de algum modo a cadência do xaxado e os pulos com uma “alegria pobrinha” de morta fome. Joline, e Carol se aproximaram nos resultados pela descoberta da barriga para dentro, barriga de fome que esculpe os ossos; no caso específico de Carol, ela fez um comentário cultural que aproximou esta barriga da fome das mulheres com a lata de água na cabeça, de olhos apertados por causa do calor e tempo lento e a barriga do glamour anoréxico das topmodels.Houve toda uma construção do corpo a partir desta barriga para cada caso.Na cena de João Miguel, ficou a impressão de um olhar que comanda a cena mais que o movimento em si, o tempo dilatado, um calor excessivo também relacionado com esse tempo descolado da ação. A cena de Victor Hugo trouxe um dado novo, ou pelo menos um lugar de onde se olha novo na cena: exerceu o papel do masculino, do dono do chicote, do alto de seu cavalo, o olhar que como está do alto, tem de se direcionar para o chão, diferente do olhar construído noutras cenas que saía de baixo para cima.

Proposição cênica 2descrição de procedimentos

Ao pensarmos na fotografia como um artefato cultural chave para pensar na construção e midiatização dos papéis sociais e de gênero e deslocarmos esse sentido para as amareladas fotografias de família, tão presentes em qualquer casa, para pensar nas relações de parentesco, e nos mesmos papéis no sertão?
Parti da idéia de fotografia de família para propor que fossem feitas fotos em pequenos grupos atendendo a critérios estabelecidos por cada grupo e que pudéssemos conversar sobre as estratégias espaciais de composição fotográfica familiar. Seguem acima do corpo do texto todas as fotos.

Observações conclusivas ou perguntas-crise para fermentação de novas idéias

1)Sobre a proposição cênica 1: Mas, não somos todos nordestinos? Como estamos acostumados a nos pintar e a nos reconhecer? Como pintar determinadas tradições do Brasil sem falar dessas palmeiras, desses sabiás e desse povo pobre tão alegre? Ou como falar desse lugar deslocando esse sentido sem deixar de fazer parte desta comunidade simbólica Brasil?
2) Como suscitar um estado pessoal de identificação que leve as pessoas de modo claro a acessar subjetividades potencialmente cênicas?
3)Que técnicas, que imagens acessar para fomentar uma produção mais autobiográfica?
4)Como inserir vocalização nos experimentos?
5) Como avaliar a duração das aplicações?
6) Será que formalismo técnico não combina com conteúdos mais engendrados?
7) Como utilizar filmes ou material filmográfico como estratégia de composição em dança?

Um comentário:

  1. Alana,
    fiquei impressionado com a fundamentação para sua pesquisa. Suas reflexões são super coerentes com o que você propõe. Como falei pra Thiago, agora é tempo de refletir como esta experiência (única e por isso insuficiente para abraçar uma pesquisa com um tema tão denso) pode chegar à cena. Gosto muito da foto da família. Acho que ela poderia, em algum momento, ser apresentada.
    Um comentário: no parágrafo "O Sertão e suas Representações", você afirma que "principalmente, por se achar intocado, em relação aos colonizadores". O sertão não é intocado em relação aos colonizadores. De onde vem toda a fé católica? e a língua portuguesa?
    Gosto muuuuuito das perguntas feitas no final.
    Quanto à primeira penso que somos todos nordestinos, mas temos muitas diferenças: catinga/litoral; caboclinho/ilê/banda de pífano; daniela mercury/ariano suassuna/lenine; arranha céus/casa de taipa; preto/branco/caboclo; etc. Será que dá mesmo pra colocar todos numa mesma panela quando falamos em nordestinos? é sempre bom pensar num recorte.
    Gosto também da indagação sobre formalismo técnico e conteúdos mais engendrados. Acho que um não exclui o outro. Entendo ser possível por acreditar em transversalidade. Até pouco tempo atrás os dançarinos de Pina faziam balé duas a três vezes por semana e muitos daqueles corpos são, em cena, a formalidade do balé e a profundidade do que comunicam.
    Todas suas questões são muito boas. Gostaria de levá-las para a sala quando formos montar nossa cena.
    É um prazer trabalhar com você. Grande beijo.
    Antrifo

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