Laboratório de Corpo e Criação Coreográfica
Docentes: Antrifo Sanchez e Fernando Passos
Discente: Thiago Santos de Assis
Relatório de Experimentação
Apresentação
A pesquisa aqui apresentada foi realizada por um estudante do curso de Licenciatura em Dança, no âmbito da disciplina de Laboratório do Corpo e Criação Coreográfica, na UFBA, ministrada pelos professores Antrifo Sanchez e Fernando Passos, sendo esta escrita utilizada como crédito para a validação do curso anteriormente citado. Para chegar à escolha do objeto e objetivos de meu experimento promovi algumas discussões sobre as questões de gênero, assunto plausível de uma observação mais detalhada, quando equacionando, com as áreas da educação, da dança, de questões sociais e políticas. Porém, o fato de ser em Dança a minha graduação, me fez privilegiar um objeto próximo deste contexto. Direcionei então meu olhar para os “Estados Configurativos dos Corpos” e seus impactos em um dado contexto social. Dessa forma, estruturamos as mais diversas imagens, projetando corporeidades distintas, e refletindo sobre os resultados obtidos, os quais hoje servem como mola propulsora para essa formalização parcial.
Justificativa
Este experimento justifica-se na necessidade de promover estudos mais profundos acerca das discussões sobre gênero, pois em tempos de pós-modernidade, se faz necessário suscitarmos tais discussões, quando concatenadas com as múltiplas reflexões que corroboram com as rupturas dos paradigmas socialmente construídos em nossa diacronia.
Objetivo Geral
Compreender que a discussão sobre gênero não deve ser pautada apenas no binômio masculino / feminino. Entendendo que no trânsito entre esses opostos, existem diversas concepções que burlam o determinismo heteronormativo.
Objetivos Específicos
Projetar diversos “Estados Configurativos” em espaços sociais e analisar as ações esboçadas pela alteridade concomitantemente.
Desmontar estruturas heteronormativas arraigadas em um pensamento reprodutivo.
Examinar o conceito de “Identidade”, a partir da relação entre sujeitos e ambiente.
Procedimentos Metodológicos
O nosso experimento foi didaticamente dividido em dois momentos, sendo o primeiro, pré-requisito para o entendimento mais amplo das intervenções posteriores (trabalho de campo).
A proposta desse laboratório foi expositiva e dialogada, sem muitas delimitações. A intenção era estimular o processo criativo individual, a partir das indicações dadas pelo mediador.
Roteiro Descritivo
O primeiro momento do nosso laboratório, ocorreu no dia 15 de maio de 2009 (sexta-feira), na Escola de Dança da UFBa, contando com a participação dos seguintes voluntários:
• Nathália Matos
• André Luís
• Diego Victorino
• Loraine Brito
• João Miguel
• Carolina Falcão
• Antrifo Sanches
- Propus que os voluntários sentassem em circulo, e sem movimentos aparentes, trabalhassem apenas com a ação de “olhar”, de forma que eles buscassem mutuamente reconhecer os outros sujeitos envolvidos naquele contexto. Foram dadas muitas indicações, como exemplo:
* Liberar as sensações ocasionadas com o processo corrente.
* Olhar para o outro e deixar-se ser olhado por todos.
- Em um segundo momento eu sugeri que todos tirassem as roupas, permanecendo somente com as peças íntimas, na tentativa de anular alguns códigos culturais que apóiam uma “cristalização do individuo”. Dessa forma eles retornaram ao círculo e continuaram sem movimentos aparentes, e trabalhando somente a partir do olhar.
- Em seguida, eu distribui alguns verbos retirados da Taxionomia de Bloom de Habilidades do Pensamento e solicitei que eles se colocassem em dupla, e se colocassem na condição de observador e observado ao mesmo tempo, além de com o olhar transmitir as habilidades do pensamento (apud. Bloom 1956. ) que seriam:
Definir / examinar/ associar /completar/ comparar/ criticar/ convencer/ rotular/ resumir/ medir/ inventar/ modificar/ generalizar/ explicar/ construir/ mostrar/ aplicar/ identificar.
- Após essa interação entre as duplas, eu solicitei que todos fossem até o espelho e frente ao mesmo, projetassem o olhar (ainda com a idéia das habilidades do pensamento) para si mesmos e percebessem o quanto cotidianamente somos ativos / passivos nessa relação.
- A partir de todas essas proposições embasadas no olhar, eu trouxe quatro imagens e as projetei para que os voluntários, olhassem e rapidamente definissem pequenos aspectos sobre o que foi mostrado, como: sexo, orientação sexual, estilo e profissão. A partir dessa proposição surgiram diversos conceitos sobre uma mesma imagem, o que comprova que o nosso olhar é individualizado e sempre está ancorado em nossos axiomas. Por fim, eu revelei para o grupo a “identidade” de cada individuo mostrado nas imagens, e o que foi muito relevante, é o fato de um mesmo sujeito aparecer em duas imagens distintas, com “estados configurativos” totalmente diferentes, e todos os voluntários considerarem o mesmo sujeito como duas pessoas, comprovando que imagem e corpo são sistemas equivalentes, pois cada imagem reverberada por um mesmo corpo, pode provocar significados variados e até mesmo a anulação de uma imagem por outra.
- Após esse momento que tantas inquietações nos causou, exibir para o grupo um vídeo norte americano chamado “Children se, Children do”. Que traduzido para o português quer dizer: “Crianças vêem, Crianças fazem”, com a intenção de deslocar a nossa discussão que até então tinha perpassado diretamente apenas por reflexões sociais, para o contexto educacional, no qual o exemplo tem significados muito presentes no processo de ensino e aprendizagem, auxiliando na construção do “eu” a partir da dinâmica entre os sujeitos e ambientes.
- Finalizamos a primeira etapa do nosso laboratório, com a leitura de um texto autoral, no qual eu reafirmava questões que nos acompanharam ao longo dessa etapa. E lancei também a seguinte questão:
“O que vocês já fizeram em um espaço público que com certeza chocou as pessoas presentes?”.
Com base nas respostas do grupo, construímos juntas as cenas que figuraram a nossa intervenção.
No segundo momento, após a elaboração dos mais diversos “estados configurativos”, fomos a campo a fim de finalizarmos a nossa proposta de trabalho. Escolhemos o Shopping Piedade, por todo o seu trânsito de pessoas das mais variadas camadas sociais, e por atender as necessidades específicas que o nosso laboratório demandava.
Ao chegarmos nesse espaço, nos espalhamos para que a intervenção não ganhasse um caráter espetaculoso, pois isso a tiraria do lugar performativo que havia sido engendrado anteriormente. E obedecendo a dinâmica anterior, os voluntários desenvolveram suas ações e ao mesmo tempo em que eram observados, se colocavam na posição de observadores.
As cenas obedeceram ao princípio da “economia de elementos espetaculosos”, no entanto utilizamos figurinos que colaborassem com o “estado configurativo” que aqueles corpos executavam, na tentativa de manipular as variáveis da pesquisa e garantir os impactos sociais que buscávamos. Foram inúmeras as cenas, mas destaco aqui somente as que mais contribuíram para essa análise:
- Um grupo de três mulheres que conversavam nos espaços do shopping e falavam sobre sexo de uma maneira muito coloquial, falavam sobre masturbação, experimentações, relações homoafetivas, entre outros, que naturalmente despertou a curiosidade do entorno, levando ao esboço de ações carregadas por censuras.
- Um casal aparentemente no padrão social heteronormativo, ou seja, um homem e uma mulher, mas com os papéis subvertidos, tendo as suas configurações borradas por códigos diferenciados dos socialmente construídos. Essa proposição provocou muito as pessoas do shopping, tendo até sido observada algumas ações violentas contra aquela imagem por nós idealizada.
- Um homem com “roupas masculinas”, mas que andava no shopping com um sapato alto, e mesmo a configuração sendo culturalmente masculina, a justaposição de um código que não correspondia aquele “padrão”, foi rapidamente execrada.
Avaliação
A avaliação se deu de forma processual, de maneira que em todas as nossas ações metodológicas, refletíamos sobre a práxis, e isso de certa forma já se configura como um processo de avaliativo. Considero que tangemos nos diversos aspectos desse processo, pois diagnosticamos os entendimentos do grupo sobre o tema proposta, bem como ao longo do processo fizemos algumas interações formativas.
Com base no desenvolvimento desse laboratório, eu considero importante algumas questões que ficaram perceptíveis com o processo. É preciso ter muito cuidado com a tendência natural que temos de projeção do outro, a partir de nós mesmos, isso é algo perigoso que nem sempre corresponde ao resultado esperado, pois quando as variáveis dependentes da pesquisa, são sujeitos, a manipulação é pouco provável. Percebo que algumas ações elaboradas pelo nosso coletivo, não causaram os impactos esperados, pois as pessoas presentes no Shopping não se chocaram com as mesmas. No entanto, acredito piamente que todos os objetivos foram alcançados, e isso respalda o nosso estudo como proficiente. Sabemos que muitas questões surgiram a partir desse processo, mas não teríamos jamais a pretensão presunçosa de esgotá-las. Concluímos o nosso laboratório com diversas lacunas a serem discutidas em momentos posteriores.
Referências:
- FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da paixão. Trad. Ligia Pondé Vassalo. 6 ed. – Petrópolis: Vozes, 1987.
- FARR, ROBERT. M. As Raízes da Psicologia Social Moderna. RJ, Vozes. 2008
- BOCK, Ana M. Bahia; FURTADO, Odair; TEIXEIRA, Maria de Lourdes T. Psicologias: uma introdução ao estudo de psicologia. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 1989. 284 p.
Thiago,
ResponderExcluirUma lembrança: meu nome termina com “s”.
Achei ótimo você ter organizado o relatório dentro da formalidade acadêmica, mas sinta-se à vontade para no próximo semestre poder fazer diferente, caso queira. Tenho ouvido muitos discursos no sentido de transgredir esta formalidade da academia e a expectativa de alguns é que esta função esteja exatamente em nossas mãos, os artistas acadêmicos, com toda nossa capacidade criativa. Me parece que alguns acadêmicos andam um pouco cansados destas formalidades. Não quero com isto, dizer que não é importante aprender como se escreve num formato acadêmico. Aos que não sabem, é importante e necessário saber, mas você já pode transgredir. Max Pagés diz que sem transgressão não há pesquisa.
O nome do vídeo é “Children see, children do”.
O relatório está muito bem escrito e sua escrita é muito clara e fluida.
Minha crítica vai no sentido de que um experimento foi muito pouco para você afirmar que alcançou os objetivos. Acredito que aí está um problema dado a partir da forma de apresentação do relatório. Os objetivos estão muito além do que foi realizado. Num outro formato de apresentação, menos formal, você poderia colocar, talvez, qual era o seu desejo com este experimento e certamente isto estaria mais próximo da ação.
Vamos nos falando.
Bjs
Antrifo